quarta-feira, 1 de maio de 2013

Por que não somos misândricas





    Se você é homem, sabe por que nós, feministas, não queremos te dominar? Daí onde você está, no topo das relações de poder, deve ser mesmo difícil de entender. Deve ser difícil porque, quando se compara ser dominante e ser dominado, ser dominante parece muito melhor. Tão melhor, que todo mundo iria querer estar no seu lugar, certo? Tão melhor, que nada poderia ser tão bom quanto isso...
    De fato, é melhor estuprar do que ser estuprada, bater do que ser vítima de violência doméstica, ser médico do que ser vítima de violência obstétrica e assim por diante. Também é melhor ser um expectador da violência do que ser o alvo dela. No entanto, só pessoas medíocres se nivelam por baixo; só elas se contentam com estar um pouco acima de quem está muito mal.
    Embora ser violento seja mesmo melhor do que ser violentado, páre para pensar por um momento em como seria não ser nenhum dos dois. Pense em como seria não ter obrigação de ser forte, musculoso, alto, bombado, independente do seu tipo físico, para ser bonito, aceito e respeitado.
    Pense em como seria não ter obrigação de ser psicologicamente não só forte, mas uma verdadeira pedra, que não chora, não demonstra fraqueza, não demonstra também compaixão por vítimas de violência e ainda acha que elas "mereceram", "estavam pedindo" ou algo equivalente. Você não seria mais livre se pudesse escolher entre fazer isso... ou não? Melhor ainda, será que você realmente é assim porque optou por isso ou porque foi ensinado e porque sabe que vai ser duramente cobrado caso aja de forma diferente?
    Pense em como seria não ter obrigação de ir para essa mas não para aquela profissão - em como seria se você pudesse ser o que quisesse sem ser chamado de viado. O que quisesse, tudo mesmo! Bailarino, cabelereiro, estilista, enfermeiro, maquiador, comissário de bordo, professor de escola primária.
    Pense em como seria não ter obrigação de abandonar hobbies dos quais gosta, ou nunca ter tido que deixar de fazer dada brincadeira porque ela é associada a garotas. Se você pudesse dançar o que quisesse, usar a cor de roupa que quisesse, assistir ou ler qualquer coisa sem temer sem comparado com mulheres e homossexuais.
    Talvez você esteja pensando: não mudaria nada na minha vida, eu faria tudo igual. Parabéns, você é um monolito perfeito, formatado e enquadrado por um sistema que te iludiu de tal forma que você sente uma ilusão de que está fazendo escolhas quando, na verdade, elas já haviam sido feitas por você quando a ultrasson revelou que você nasceria com um penis. Como se essa fosse a única característica importante de você, um ser humano fantástico, único, multidimensional, multifacetado, que não pode e não deveria ser reduzido e se reduzir a isso: ter cada escolha da vida definida por essa característica.
    Ser violento é claramente muito melhor do que ser violentado. Mas numa sociedade dividida entre dominantes e dominados, todos saem perdendo em alguma medida. Ser violento muitas vezes é um fardo para o homem, que passa a agir contra os próprios valores graças a uma cobrança de uma sociedade que se perpetua com base na violência e usa para isso homens que não têm qualquer tendência a serem maus.
    Tal situação leva a culpa, a auto-repressão de características que fazem parte do sujeito e precisam passar a ser escondidas e a muitas outras situações pelas quais a maior parte dos homens não quer passar.
    Nós, mulheres feministas, não somos misândricas, e não queremos dominar os homens porque dominar, bater e subjulgar é um ônus e um demérito. Porque empatizamos com o sofrimento de outras e outros, e não queremos desumanizar e perder essa faculdade. Porque não queremos nos rebaixar. Porque isso não seria um avanço e sim um retrocesso, seria descer a um nível ainda mais baixo do que aquele em que estamos. Sim, porque o agressor está abaixo e não acima da vítima. Moralmente, eticamente e espiritualmente abaixo.
    Não queremos parar de sentir empatia, compaixão, solidariedade, sororidade. Não queremos ter obrigação de demonstrar força, poder, capacidade para dominar e para subjulgar em cada micro ação do cotidiano. Não queremos ter a responsabilidade de provar ao mundo que somos aptas ao exercício da violência. Não queremos parar de amar aos homens que amamos, nossos familiares e amigos. Não queremos ter relações sexuais sem dimensão emocional envolvida.
    Daí de cima pode parecer para você que dominar é muito bom, mas só porque a sua visão é limitada, estreita. Alargue os horizontes. Lá no final dele, você é capaz de ver nem violentos nem violentadas, e sim todxs livres? Então, é para lá que as mulheres e homens feministas estão tentando caminhar.
    Se você vier com a gente, o que tem a perder? A capa de super-homem? Já parou para pensar que ela é um tanto... pesada? É, vai ver é justamente ela que está te deixando com dor nas costas - muito mais do que, por exemplo, o direito das mulheres de votar. Caso você não seja pessoalmente violento, não tem nada a ganhar com a impunidade de quem maltrata mulheres, que é aquilo contra o que o movimento feminista luta. Então, por que não?
    Vivemos em uma sociedade em que ser uma garota é considerado ruim, isso é o machismo. Imagine que ser mulher não fosse ruim: ser comparado com uma também nãos seria. Ser livre para poder ser o que quiser sem temer ser chamado de garotinha é muito melhor e mais libertador do que meramente não ter mais que pagar entrada inteira nas baladas. Vai muito para além disso e te faria um bem muito grande.
    Venha conhecer o movimento feminista mais de perto. Tenho certeza de que você vai se surpreender.


Um comentário:

  1. Quando a sociedade se livrar de tanta padronização, estará um passo a frente na escala evolutiva. A humanidade só tem a desenvolver ao permitir-se evoluir moralmente. Gostei muito do seu texto, achei por acaso, mas me fez refletir bastante.

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