quarta-feira, 22 de maio de 2013

O que o movimento feminista deveria aprender com o LGBT

  ATENÇÃO! Este texto NÃO diz que há causas feministas mais importantes do que outras. Leve isso em consideração antes de comentar!

 


Vivemos num período de grandes ascenção de direitos das pessoas LGBT no Ocidente. O casamento homoafetivo já é legamente reconhecido em 15 países e a homofobia já foi criminalizada em alguns, como a França, e direitos como a adoção de crianças por casais homossexuais também são reconhecidos. É verdade que a violência física, por vezes redundando em assassinato, não diminuiu ainda, mas é da própria dinâmica das sociedades todas que haja um backlash em casos como esses.
O movimento LGBT é mais recente que o feminista e conta com menos militantes. Não surpreende, já que há muito mais mulheres do que lésbicas, gays e bissexuais. Os inimigos comuns são os mesmos: igrejas conservadoras, Estado que não reconhece direitos e se omite, mídia de massas que estigmatiza. Por que o movimento LGBT tem tido tanto sucesso, e a causa das mulheres continua absolutamente estagnada?
Vamos encarar os fatos: os estupros não têm diminuido, nem o assédio sexual. A desigualdade salarial vem caindo numa velocidade tão lenta que beira mudança nenhuma. Mulheres continuam uma minoria pífia nos cargos de chefia e nas profissões melhor remuneradas. A violência doméstica tem crescido e os assassinatos a mulheres também. A violência obstétrica só agora começa a ser visibilizada em nosso país e a incidência dela é alarmante. O tráfico internacional de mulheres para a prostituição forçada e a prostituição escrava interna continuam em níveis elevadíssimos. O número de mulheres que morrem vítimas de transtornos alimentares só tem crescido cada dia mais. Não estamos nem perto de legalizar o aborto, é mais factível ser aprovado o estatuto do nascituro. Isso porque continuamos uma minoria ridícula das pessoas eleitas na vida política do país. Somos a maior parte das pessoas abaixo da linha da pobreza, a maior parte dos desempregados, a maioria das pessoas com emprego sem registro em carteira, a maioria dos terceirizados e mais frequentemente somos demitidas do que os homens. Trabalhamos de graça no serviço doméstico tanto quanto sempre.
E, tanto nos casos em que a violência cresceu quanto naqueles em que ela se manteve estável, a impunidade não diminuiu. Os crimes contra mulheres continuam tão impunes quanto sempre.
Enquanto isso, lésbicas e gays têm avançado a passos largos. Por quê?
1- Eleição de prioridades
O movimento LGBT soube escolher, das várias coisas importantes, DUAS PRIORIDADES. E lutou ferrenhamente por elas de maneira unificada, ao invés de dispersar forças em várias causas e não dar conta de nenhuma delas. Se todo o movimento feminista nacional se concentrasse em "legalizar o aborto e combater a prostituição escrava", ou em "trabalho igual, salário igual e regulamentação da mídia" (para acabar com a erotização do estupro, a promoção de um padrão de beleza irreal, etc) nós conseguiríamos. Nós somos numerosas o bastante, temos como arrecadar dinheiro o bastante, são causas consensuais o bastante e no entanto não fazemos isso.
Já passou da hora de o movimento feminista parar de lutar pela "igualdade" de maneira completamente genérica e superficial. Como obtemos a igualdade que queremos? Que medidas efetivas podem ser tomadas para reduzir o número de estupros? Que medidas efetivas podem ser tomadas para equipararmos os nossos salários aos dos homens? Muitas feministas não têm um plano concreto, só uma divagação imprecisa das causas e do quanto elas são justas.

2- Eleição de propostas para resolver os problemas prioritários
Este é um blog de uma mulher feminista para mulheres feministas. Você, mulher feminista, responda com sinceridade: como fazer para diminuir os estupros? Qual é o plano? Sabemos o que não fazer, por exemplo, sabemos que não adianta não usar roupas curtas, que não adianta não beber e não adianta não sair a noite.
O que adianta, então?
O pouco de ação prática que já é aceita pelo movimento ninguém pratica, que é a auto-defesa das mulheres, isto é, mulheres aprenderem a lutar, a desarmar, a se desvencilhar quando alguém agarra, etc. Conheço centenas de feministas, mas as únicas que eu conheço que aprendem a lutar são... aquelas que treinam comigo na nossa coletiva de auto-defesa!!
Eu tenho uma série de propostas sobre estupros, são elas

- incentivar as denúncias
- criação de abrigos estatais para mulheres que denunciam e estão ameaçadas de morte
- melhor iluminação nas vias públicas
- incentivo a que mulheres aprendam a lutar
- ampliação do número de delegacias especializadas em atendimento a mulheres vítimas de violência
- reformas no judiciário e no executivo que desburocratizem e diminuam a incidência de impunidade
- criação de lugares oferecidos pelo Estado para o atendimento com psicólogas às vítimas de violência

Alguém é contra? Aposto que não. Se eu chegar e propor isso em qualquer espaço feminista, todas dirão que acharam lindo. Por que ninguém está fazendo algo prático nessa direção? Por que apenas pequenos grupos isolados, sem força e sem voz, lutam por uma ou duas dessas coisas isoladamente, sem repercussão a nível nacional? O que estamos esperando para fazer uma lista de propostas séria para cada um dos problemas que nos acometem e começar a lutar contra eles organizadas e de maneira conjunta?
Temos que eleger quais problemas são uma prioridade, e fazer propostas sólidas de como combatê-los aqui e agora.

3- O problema é difuso, mas podemos escolher alvos específicos para atacar
Tomemos como exemplo um livro homofóbico editado pela Gospel Mais, do Silas Malafaia. Ele é vendido em dezenas de redes de livrarias, a editora é toda muito ruim e homofóbica e a Avon era só mais uma das muitas empresas que o revendiam. O movimento LGBT se juntou, nacionalmente e com apoio externo, para exigir que a Avon já não vendesse mais tal livro. Um livro, um ponto de venda. A pressão foi tão grande que ela teve que recuar.
Por que ao invés de fazer protestos genéricos não elegemos também um alvo para atacar usando-o de exemplo? Quando somos vitoriosas nisso, outras empresas irão pensar duas vezes antes de fazer o mesmo que o coleguinha misógino fez.

4- Enfocar a conquista de vitórias práticas e não a conscientização das pessoas
Hoje as pessoas não são menos homofóbicas do que antes, mas elas vão ter que encarar que lésbicas e gays podem se casar. E adotar crianças. Uma porcentagem mínima da população brasileira é a favor do casamento homossexual, mas isso não impediu que ele fosse legalizado.
Encare os fatos: 85% da população brasileira é contra a legalização do aborto.
Oitenta.
E cinco.
Por cento.
Não podemos esperar até que todos achem a nossa causa legal: mulheres estão morrendo AGORA.
AGORA.
São 150 mil por ano, de acordo com a ONU, só no Brasil. Outras tantas estão PRESAS. A vida delas foi arruinada por ir pra uma cadeia por conta de um aborto. Pode ser eu ou você amanhã.
Já temos uma quantidade grande o bastante de feministas convictas da justeza da causa para sermos vitoriosas nisso. Se fosse a pauta de cada uma das nossas marchas, nossos atos, nossos protestos, nossos cartazes, nossas pichações, nossas coletivas, se nos uníssemos em torno de uma candidata que propusesse isso, nós já teríamos conseguido. Mas embora todas as causas sejam importantes, lutar por uma agora nos deixaria mais fortes para conseguir outra no futuro e é mais realista do que tentar lutar por tudo ao mesmo tempo. Não está funcionando. Não está funcionando e precisa ser repensado imediatamente!!!







5- Ter representação política
NÃO ADIANTA SER A FAVOR DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO E VOTAR NO PSDB.
Não adianta ser contra o estupro e votar no DEM.
Não adianta ser contra a violência doméstica e votar no PMDB.
Não adianta ser contra a desigualdade salarial e votar no PDT.
NÃO ADIANTA. Repitam comigo: não. Adianta!!
Já passou da hora de o movimento feminista se organizar em torno de partidos e candidatas de fato comprometidas com a causa. Se conseguissemos nos unir em torno da Ana Luíza com a mesma intensidade que as lésbicas e gays se reunem em torno do Jean Wyllys, muita coisa já teria avançado. Não é possível que sejamos desunidas demais para isso!
Se todas as feministas votassem em partidos feministas, talvez não conseguissemos eleger uma presidenta feminista, mas deputadas, senadoras e prefeitas estão SIM ao nosso alcance. Votem no PSTU, no PSOL, no PCO, no PCdoB, em qualquer coisa que se reivindica feminista! Conheçam os partidos que não são legalizados, a LER-QI por exemplo. Façamos uma coalizão, vamos nos juntar em torno da causa, já chega de não termos unidade nas urnas!

Lembrando que tudo isso foi possível no movimento LGBT, que é cheio de diferenças internas, mais recente, menos numeroso, igualmente odiado, com inimigos comuns aos nossos e que usa as mesmas formas de protestar (marchas, atos, militância online, etc). Nossa causa também é justa e
 we can do it!


9 comentários:

  1. Tenho q começar discordando q o mov. Feminista esteja a parte do mov LGBT. Embora tenho q concordar q seja realmente por isso, o motivo de ñ estarmos melhor organizado. Mas chega ser injusto, exclui-lo desta forma, seja qual fora conquista. O mov. feminista sempre esteve unido em todas as lutas humanistas. Tornando toda e qualquer luta intríseca. Estou aqui tentando e simplesmente ñ consigo desvencilhar. Até mesmo ñ sendo ativista, toda mulher é feminista por natureza, apenas ñ estando preparada para despertar tal essência. Feminismo é mais q alguns grupos atuantes. É uma indescritível necessidade para a evolução social. Cabe a cada indivíduo escolher sua atuação, mas tod@s tem o dever de ir onde for necessário. Por exemplo, na 2ª feira o mov. negro precisa de militantes num certo órgão público, quem estiver disponível independente a qual grupo for pertencente deveria sentir-se como um dever de apoiar tal grupo, para quando precisar de apoio na 5ª feira, poderão ter com quem contar . Aprendi isso no mov. Punk, q infelizmente só ñ deu certo exatamente por falta deste tão necessário comprometimento. Mas sou uma otimista por natureza, e creio q estamos na melhor época. Em que o políticamente correto, esta sendo muito bem visto. E seremos tod@s sábi@s de aproveitar todas essas mudanças. O movimento feminista com certeza tem muitos problemas a serem resolvidos, mas com muito boa vontade e união de todos humanistas conseguiremos quebrar essas barreiras que ñ passam de limitações humanas. Mas enfim, o texto é muito bem intencionado e portanto válido, é só uma questão de saber aproveita-lo.

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  2. Achei o texto maravilhoso e claro ao chamar a atenção ao que é realmente necessário, a reivindicação forte e direta e objetivos pontuais.
    Mas a primeira coisa que pensei, na comparação com o movimento LGBT, foi: o mov. LGBT é primariamente formado por homens homossexuais. Esse é um dos únicos pontos em que eu discordo do texto: quando diz que ambos os grupos são "igualmente odiados". Eu acho que não. Nesse quesito, as mulheres ainda estão em desvantagem. Homens - mesmo gays - estão mais acostumados e condicionados a terem voz, a fazerem reivindicações. Mulheres não, somos socializadas de forma a nos mantermos caladas, reclusas, e desunidas.
    Não é à toa que as lésbicas do mov. LGBT tenham muito menos voz e presença do que os homens gays. Não é à toa que reforçar o quanto a sororidade e a união e criação de laços entre mulheres é um ponto tão importante no feminismo. É um grande obstáculo a ser superado: a forma como temos dificuldade de nos unir e nos apoiar como classe.

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    1. Apoiadíssima. O que é levado como piada pelas pessoas, que é esse ódio entre nós mulheres, é na verdade muito sério e tem consequências concretas, e muitas vezes diretas.

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    2. Carol, concordo com cada palavra sua. Realmente, é preciso reconhecer que o ódio a mulheres é muito mais intenso e violento que o ódio a homossexuais. Que a misoginia mata mais, tira mais direitos e que, por isso, as mulheres lésbicas estão tão fragilizadas.

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  3. Discordei desde o início do texto. Primeiro, o movimento LGBT não nasceu antes do movimento de mulheres, considerar que as mulheres só se organizaram a partir da década de 60 e 70 é uma visão do feminismo das mulheres brancas de classe média, porque as mulheres negras estão organizadas e participam da vida pública desde a diáspora! A luta das mulheres não está estagnada e a lei Maria da Penha é um marco que desconstrói essa hipótese. A criminalização da violência contra a mulher em 2006 através dessa lei fez como que diversas políticas públicas fossem formuladas nessa perspectiva, sugiro que leiam o pacto pelo enfrentamento à violência contra à mulher que foi lançado em 2009. Novos equipamentos públicos e centros de referências foram criados, assim como ouvidorias, inclusive para as Universidades, a criação da Secretaria Nacional de Políticas para as mulheres em 2003 impulsionou a criação de secretarias nos níveis estadual e municipal e existe recursos humanos e financeiros voltados apenas para as questões das mulheres onde existem SPM e mais recentemente, a presidenta Dilma lançou a Casa da Mulher Brasileira, que é uma exigência dos movimentos feministas, que todos os serviços de proteção e acolhimento às mulheres vítimas de violência estejam num mesmo lugar. Todos esses avanços são reflexos da disputa das mulheres organizadas. Concordo que os movimentos de mulheres ainda são heteronormativos e que não compreendem a pauta da diversidade de gênero como uma pauta feminista. Isso não significa que estejamos estagnadas, significa que é um erro que as mulheres organizadas se agarrem com tanta força ao chamado feminismo clássico, que além de heteronormativo, parte do pressuposto dos problemas das mulheres brancas de classe média.

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    1. "Primeiro, o movimento LGBT não nasceu antes do movimento de mulheres" O seu comentário revela uma leitura muito desatenta do texto. O que realmente está escrito é: "O movimento LGBT é MAIS RECENTE que o feminista e conta com menos militantes. " Eu não me lembro de ter dito em momento nenhum que o marco inicial para existência do feminismo foi a década de 60. Eu realmente gostaria de saber de onde você tirou que eu penso isso.
      Desde que houve patriarcado, houve resistência!! Nunca houve dominação sem resistência - nem a mulheres, nem a nenhum setor de nenhuma sociedade. Leia o Thompson!
      Você está disposta a desmerecer a qualquer preço. "mulheres brancas de classe média"... bom, eu sou parda e ganho 1500,00 por mês, mas não te devo satisfação a esse respeito. É verdade que "as mulheres negras estão organizadas e participam da vida pública desde a diáspora", mas é igualmente verdade que as mulheres brancas também começaram a se organizar para resistir ao machismo muito, mas muito antes da década de 60.
      A Lei Maria da Penha é um avanço, no entanto a sua implementação tem sido desastrosa. Não estão sendo colocados em prática os dispositivos necessários para que ela seja de fato cumprida, isso qualquer vítima de violência doméstica - como eu - pode te dizer porque sofre na pele.
      Na verdade, branco e de classe média é esse seu ponto de vista irrealistamente otimista. A realidade é que todos esses avanços que você citou, para as mulheres de baixa renda, negras ou não, são bem insuficientes e atingem uma parcela muito limitada da população que precisa.

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  4. Engraçado que os comentários em tom mais agressivo sempre são feitos por homens. Eu listei uma longa lista de partidos para as pessoas conhecerem, não disse "vote no partido da sigla tal, de preferência no candidato não-sei-qual". Tem gente que não consegue lidar com o fato de que há quem pense diferente, que não consegue conviver com o outro. Não estou aqui para doutrinar ninguém nem arrebanhar ninguém para o meu próprio partido, estou para engendrar reflexões, abrir o debate, apontar possíveis perspectivas...
    Não discordo de nenhuma das críticas que você fez à LER-QI, ao PCO, ao PCdoB ou ao PSOL. No entanto, não estou jogando integralmente no lixo como você. É por causa de gente como você que a esquerda é tão fragmentada, na verdade estilhaçada. Não pode ver "conheçam, entrem em contato" que já sai atacando com 20 pedras em cada mão como se eu tivesse dito: "são perfeitos, não merecem nenhuma crítica, votem de maneira cega!".
    Páre para repensar a sua prática ultra-sectária que a esquerda de conjunto só tem a ganhar. Em tempo, o partido com o qual mais empatizo é o PSTU.

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  5. Concordo contigo que o âmbito político do movimento LGBT está forte e que isso pode ser um exemplo para o movimento feminista.

    Infelizmente, esse assunto de "o que um movimento X pode aprender com o movimento Y", pelo visto, é um tabu. Aqui até não apareceu, mas sempre rola uns comentários "você está menosprezando o movimento Y", "você quer separar os movimentos", "você quer dizer que a causa de um é mais importante que a de outra". Acho extremamente válido nós (pessoas de algum movimento de esquerda) começarmos a avaliar e absorver os melhores aspectos de outros movimentos com o intuíto de nos fortalecermos. Parabéns pelo texto!

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  6. Acabei entrando aq por causa de uma página no FB e apenas tenho q parabenizar pelo texto. Os ideais feministas são lindos, mas a publicidade está sendo, desculpa, mto burra. É como a Marcha das Vadias, onde o ideal de pedir para ser "dona do próprio corpo", deixando q ele possa ser exibido tanto quanto o dos homens é algo q só não parabenizo pq chega a ser o cúmulo do óbvio pedir isso, porém pergunte quantas pessoas conseguiram entender isso com a Marcha das Vadias.

    O feminismo ainda não anda em passos largos pq mtas daquelas q deveriam fazer parte dela simplesmente não compreendem como são oprimidas e concordam com grande parte das políticas machistas (como a culpabilização das vítimas de estupro), mtas mulheres ainda não conseguem ver como a ilegalização do aborto é um assalto ao corpo delas- tento imaginar como mulheres podem não notar q, quando ficam grávidas, o corpo deixa de pertencer a elas e passam a pertencer ao estado, q defende com unhas e dentes um feto em detrimento de quem o gera. Olho e não consigo acreditar em mulheres q apoiam tds os pontos em q mulheres são inferiorizadas por essa sociedade. Freud explica? Talvez, mas, enquanto ainda não houver esse "caimento de fixa" massivo deq elas estão sendo carrascas de si msm, grande parte das mulheres brasileiras continuarão vivendo no estado submisso q vivem hj.

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